Deixe-me só...

Deixe-me só com minhas sombras
Caminha para longe dos meus lábios de amarguras sem fim
Meus trapos de lembranças escondidas no assoalho
Foge dos meus laços de paixão doentia e sutil
Deixe-me em paz com meus pesadelos
Observa de longe meu pranto infantil
Minhas armas quebradas jogadas ao vento
Corre do meu olhar venenoso e juvenil
Deixe-me quieta com minhas sinfonias
Esconde-te do ódio que não sinto por ti
Meus versos de amor colhidos na chuva
Afasta-te do meu perfume que nada diz
Deixe-me apenas e simplesmente
Porque construí sonhos que se derrubaram por ti
Criei monstros que me perseguiram na noite constante
E numa cela de dores, me encarcerei.
Deixe-me só com meus fantasmas
E sinta de onde estiver meus soluços de dor
Deixe-me sozinha no escuro dos teus olhos fechados...

Fiquei. ..

Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Que aceitei a queda, que aceitei a morte. Que nessa aceitação, caí. Que nessa queda, morri. Tenho me carregado tão perdida e pesada pelos dias afora. E ninguém vê que estou morta ....ninguém vê...
.....Então....tá....
~ Sem apego. Sem melancolia. Sem saudade. A ordem é desocupar lugares. Filtrar emoções.

O silêncio é mar

Agora que o silêncio é um mar sem ondas, E que nele posso navegar sem rumo, Não respondas Às urgentes perguntas Que te fiz. Deixa-me ser feliz Assim, Já tão longe de ti como de mim. Me perdi por querer-te tanto! As ilusões são como bolhas de sabão coloridas,acabam rapidamente. Sofri,chorei.. Mas passou... Há calmaria... Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria Matar a sede com água salgada. ...

Vivi Lima.

...

Je suis spécialiste des sourires invisibles. Je ne suis pas aussi sérieuse que j'en ai l'air. Quando quelqu'un m'aura assassiné, quand on fera mon autopsie, quando on ouvrira mon corps, on y trouvera des sourires, una foule de sourires que personne n'avait devinés.
Erik Orsenna, Et si on dansait?
A alma tem muitos inquilinos que estão frequentemente em casa todos ao mesmo tempo. Uma criança de cinco anos que rasteja para um lugar quente com uma barra de chocolate na boca; um chefe de família carregando arquejante o seu fardo; uma menina com mangas tufadas que ri e se entusiasma; um velho fitando noite após noite o lume e as cinzas; um primo distante que está sempre a bater à porta no momento errado; uma mãe que enche a casa com a sua presença calada; um adolescente batendo a cabeça contra uma parede de cimento forrada a papel de veludo que as suas mãos acariciam; e outros e outros. Enquanto esta variegada reunião de família tem lugar, alguém chamado “eu” tem de exprimir o seu inalterável ponto de vista. A alma é, no melhor dos casos, uma frente unida.
Göran Palm
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It's late and you're so awake Life is made of fear. Some people eat fear soup three times a day. Some people eat fear soup all the meals there are. I eat it sometimes. When they bring me fear soup to eat, I try not to eat it, I try to send it back. But sometimes I'm too afraid to and have to eat it anyway.
Martin Amis - Other people
lOlllll

A gente se acostuma. . .


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.... Mas não devia.